quarta-feira, 6 de março de 2013

Melhor caminho para o diálogo e a unidade

Missas de sétimo dia, casamentos com disparidade de culto e celebrações oficiais são momentos propícios para reunir pessoas que não são católicas, entre elas, muitos protestantes. Em outras reuniões, fora da liturgia, acontecem a mesma coisa. Desse modo, existe a obrigação de dirigir o discurso aos dois públicos. E como realizar um discurso cristão-católico sem ofensas aos mesmos? Trata-se de uma tarefa muito difícil. Por isso, queremos propor um pensamento que nos parece mais fiel à doutrina e que auxilia à confissão religiosa para não se tornar, necessariamente, ofensiva aos que tem fé parcialmente distinta.

Muitos elementos nos aproximam dos protestantes: temos fundamento principal em Jesus Cristo, acreditamos na Santíssima Trindade, cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus, embora haja pequenas diferenças e possuímos muitos preceitos morais semelhantes, porque se inspiram nos dez mandamentos. Por sermos tão próximos, dizemos com muita frequência que "o importante é crer em Deus", "cumprir a Palavra", "ser cristão", pois isso basta para a nossa salvação. Cristo nos ensinou: "quem crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado". "Não importa a religião!", "se somos de uma religião ou de outra, o importante é estar em um bom caminho". Este, muitas vezes, é o discurso que fazemos ou ouvimos. No entanto, não é a mesma coisa ser católico ou protestante.

Se viver uma religião ou outra é a mesma coisa, porque não se fundem? O pensamento de uma e de outra aplica-se de modo diferente às Sagradas Escrituras, à moral, à Igreja (instituição) e tantos outros pontos. Se existem posturas diferentes, só podem significar duas coisas: ou esses pontos não são fundamentais à fé ou eles exigem reconhecer que um elimina o outro. Em outras palavras, o fato de existirem "igrejas"¹ diferentes demontra que a profissão religiosa é distinta. Sendo assim, não há sentido afirmar que as duas estão certas e que ambos os caminhos levam ao céu. Seguindo a premissa², dizemos que uma está certa e a outra errada; que um caminho leva à vida e outro à morte (cf. Dt 30,15-20); que um conduz à salvação e outro não.

Faço uma ressalva para a mesma questão entre as "igrejas" protestantes. A Reforma Protestante inicia com Lutero, mas, logo em seguida, surgem outros seguimentos com Calvino e Henrique VIII, cada um com uma postura diferente. Lutero defendia a livre interpretação da Sagrada Escritura e que não havia necessidade da mediação da Igreja e do Sacerdote para alcançar a Salvação. Calvino pregava a predestinação, escolha prévia de Deus pelos que deveriam ser salvos, e a prosperidade, posse de dinheiro entendido como bênção de Deus. Henrique VIII, ao criar a Igreja Anglicana, assumiu quase tudo da Igreja Católica, permitindo apenas o divórcio e se auto-afirmando chefe supremo da Igreja. O que diremos destes organismos serve para todas as outras denominações protestantes.



Não é difícil perceber que o início do protestantismo possibilitou a múltipla divisão dos reformadores, embora possam ser reunidos em um único grupo. No entanto, a diferenciação na vivência da fé exige que se reconheça que cada "igreja" possui uma profissão diferente, ainda que contenha elementos semelhantes. Não é possível dizer que a crença dos calvinistas seja a mesma dos luteranos, pois isso dispensaria a existência de ambas. Portanto, temos múltiplas profissões protestantes contrárias entre si. Aplicamos, então, o mesmo princípio: é necessário que uma esteja certa e outra errada, ou que ambas estejam erradas. Ou seja, se o protestantismo possui a verdade da fé, apenas uma das suas denominações pode ser correta, pois, de outro modo, viveríamos em contradições.

O principal elemento que fez os protestantes separarem-se da Igreja Católica foi a questão Eclesiológia³, ou seja, o problema da mediação. Os reformadores consideraram que o único meio da salvação é Cristo, por isso, cada fiel deve dirigir-se diretamente a Ele. A tradição católica sempre entendeu que na passagem que Pedro recebe as chaves da Igreja, Jesus está dando à mesma (à Igreja) o poder de religar os seus fiéis a Deus. Portanto, para alcançar a salvação é necessário estar na Igreja, ou atingir através dela. Não há outro meio de salvação. Isto, obviamente, é combatido pelos protestantes.

Deste modo, torna-se incoerente o discurso que apresentamos no início, e não deve ser usado nem mesmo como pronunciamento ecumênico. O diálogo inter-religioso e todas suas especificidades devem começar pela convicção e afirmação da própria fé. Posteriormente, comparam-se as diferenças com a fé do outro. No que se aproxima, concórdia; no que divide, diálogo visando a verdade.

Fiquemos mais atentos ao discurso de nossa fé! Neste ano, que o Papa Bento XVI nos convidou a refleti-la, torna-se um importante serviço essa clareza no diálogo com as religiões que se distinguem da nossa. Sem nenhuma agressividade, devemos ser claros, apontando aquilo que é verdadeiro e denunciando o que é falso. Sejamos corajosos e alcançaremos grandiosos prodígios no caminho da salvação e da unidade querida por Cristo.

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¹ A Igreja católica só utiliza o termo "Igreja" para associações religiosas que têm sucessão apostólica. Por isso, neste artigo e em outros, sempre que utilizar esse termo entre aspas, significa que estou referindo-me aos protestantes.
² Primeiro argumento de um pensamento ou argumentação. Neste caso, que religiões diferentes supõem profissões religiosas diferentes.
³ Eclesiologia é o estudo da Igreja.