Muitos
elementos nos aproximam dos protestantes: temos fundamento principal
em Jesus Cristo, acreditamos na Santíssima Trindade, cremos que a
Bíblia é a Palavra de Deus, embora haja pequenas diferenças e
possuímos muitos preceitos morais semelhantes, porque se inspiram
nos dez mandamentos. Por sermos tão próximos, dizemos com muita
frequência que "o importante é crer em Deus", "cumprir
a Palavra", "ser cristão", pois isso basta para a
nossa salvação. Cristo nos ensinou: "quem crer e for batizado
será salvo, quem não crer será condenado". "Não importa
a religião!", "se somos de uma religião ou de outra, o
importante é estar em um bom caminho". Este, muitas vezes, é o
discurso que fazemos ou ouvimos. No entanto, não é a mesma coisa
ser católico ou protestante.
Se viver
uma religião ou outra é a mesma coisa, porque não se fundem? O
pensamento de uma e de outra aplica-se de modo diferente às Sagradas
Escrituras, à moral, à Igreja (instituição) e tantos outros
pontos. Se existem posturas diferentes, só podem significar duas
coisas: ou esses pontos não são fundamentais à fé ou eles exigem
reconhecer que um elimina o outro. Em outras palavras, o fato de
existirem "igrejas"¹ diferentes demontra que
a profissão religiosa é distinta. Sendo assim, não há sentido
afirmar que as duas estão certas e que ambos os caminhos levam ao
céu. Seguindo a premissa², dizemos que uma está certa e a outra
errada; que um caminho leva à vida e outro à morte (cf. Dt
30,15-20); que um conduz à salvação e outro não.
Faço uma
ressalva para a mesma questão entre as "igrejas"
protestantes. A Reforma Protestante inicia com Lutero, mas, logo em
seguida, surgem outros seguimentos com Calvino e Henrique VIII, cada
um com uma postura diferente. Lutero defendia a livre interpretação
da Sagrada Escritura e que não havia necessidade da mediação da
Igreja e do Sacerdote para alcançar a Salvação. Calvino pregava a
predestinação, escolha prévia de Deus pelos que deveriam ser
salvos, e a prosperidade, posse de dinheiro entendido como bênção
de Deus. Henrique VIII, ao criar a Igreja Anglicana, assumiu quase
tudo da Igreja Católica, permitindo apenas o divórcio e se
auto-afirmando chefe supremo da Igreja. O que diremos destes
organismos serve para todas as outras denominações protestantes.
Não é
difícil perceber que o início do protestantismo possibilitou a
múltipla divisão dos reformadores, embora possam ser reunidos em um
único grupo. No entanto, a diferenciação na vivência da fé exige
que se reconheça que cada "igreja" possui uma profissão
diferente, ainda que contenha elementos semelhantes. Não é possível
dizer que a crença dos calvinistas seja a mesma dos luteranos, pois
isso dispensaria a existência de ambas. Portanto, temos múltiplas
profissões protestantes contrárias entre si. Aplicamos, então, o
mesmo princípio: é necessário que uma esteja certa e outra errada,
ou que ambas estejam erradas. Ou seja, se o protestantismo possui a
verdade da fé, apenas uma das suas denominações pode ser correta,
pois, de outro modo, viveríamos em contradições.
O
principal elemento que fez os protestantes separarem-se da Igreja
Católica foi a questão Eclesiológia³, ou seja, o problema da
mediação. Os reformadores consideraram que o único meio da
salvação é Cristo, por isso, cada fiel deve dirigir-se diretamente
a Ele. A tradição católica sempre entendeu que na passagem que
Pedro recebe as chaves da Igreja, Jesus está dando à mesma (à
Igreja) o poder de religar os seus fiéis a Deus. Portanto, para
alcançar a salvação é necessário estar na Igreja, ou atingir
através dela. Não há outro meio de salvação. Isto, obviamente, é
combatido pelos protestantes.
Deste modo, torna-se incoerente o discurso que apresentamos no início, e não deve ser usado nem mesmo como pronunciamento ecumênico. O diálogo inter-religioso e todas suas especificidades devem começar pela convicção e afirmação da própria fé. Posteriormente, comparam-se as diferenças com a fé do outro. No que se aproxima, concórdia; no que divide, diálogo visando a verdade.
Fiquemos
mais atentos ao discurso de nossa fé! Neste ano, que o Papa Bento
XVI nos convidou a refleti-la, torna-se um importante serviço essa
clareza no diálogo com as religiões que se distinguem da nossa.
Sem nenhuma agressividade, devemos ser claros, apontando aquilo que é
verdadeiro e denunciando o que é falso. Sejamos corajosos e
alcançaremos grandiosos prodígios no caminho da salvação e da
unidade querida por Cristo.
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¹ A Igreja católica
só utiliza o termo "Igreja" para associações religiosas
que têm sucessão apostólica. Por isso, neste artigo e em outros,
sempre que utilizar esse termo entre aspas, significa que estou
referindo-me aos protestantes.
² Primeiro argumento
de um pensamento ou argumentação. Neste caso, que religiões
diferentes supõem profissões religiosas diferentes.
³ Eclesiologia é o
estudo da Igreja.